
LIA VIEIRA
Encruzilhada de Notícias

A imprensa tem um papel
civilizatório
06/06/2020
Muito bom te ver por aqui, tenho semeado em campo fértil.
Saúdo aos profissionais da imprensa: televisiva, falada, escrita nos mais diversos canais de comunicação da atualidade.
A mídia, a economia e a política, no Brasil, são agentes constituídos por empresas privadas, que desfrutam de influência como formadores de opinião.
A sub-representação de nossas pautas na grande imprensa, sobre: racismo, intolerância, genocídio, necrofilia, eugenia, feminicídio tornou-se ato cruel e mesquinho perante a objetividade dos fatos, mais acentuado, ainda em um governo autoritário.
Nas reportagens, o assédio aos nossos corpos, se cumplicia a uma hipervisibilidade que condenam o corpo negro, muitas vezes, no comentário larvar do 'tinha antecedentes‘ como marca que desqualifica e nos arremessa ao pelourinho eletrônico.
Uma aparição ali, uma citação mais adiante, preenchem a cota da ausência e do prestígio e dizimam nossas imagens como prêmio e indulgências colonialidade da comunicação.
O grande pensamento negro de Lélia Gonzales já nos alertava para isso.
A vasta documentação que colhi em diversas fontes, apontam registros sobre a Imprensa Negra, em um trajeto, que acho, seria ilustrativo, oferecer dentro do recorte espacial .
Luís Gama, em 1830, um dos gigantes da causa abolicionista, é exemplo recorrente de toda imprensa da época.
Paula Brito, em 1833, “Homem de Cor”, é marco referencial em qualquer pesquisa.
“Menelick” – 1915- documentos-memórias.
Consigo resgatar na obra de Márcio Barbosa, Frente Negra Brasileira, leitura recomendada, veículos de informação e estratégias, como: 'O Clarim da Alvorada', 'Novo Horizonte', 'A voz da Raça' ( 1924 – 1933).
Destaque para “Exemplo” Porto Alegre, que vai de 1892 a 1930, trinta e oito anos, com fortes textos sobre negros e emancipação .
“Quilombismo”, do grande mestre Abdias do Nascimento- 1947, permeia todas as pesquisas e dissertações até hoje.
Porto Alegre marca a história também, 'O Tição', 1978.
“Maioria Falante”, do jornalista Togo Ioruba, a quem rendo minhas homenagens,1980, e com muito orgulho, somo a esta homenagem o nome do jornalista, Carlos Alberto Caó de Oliveira, nosso representante na ABI, e rendo reconhecimento à Ângela Davies, nossa primeira jornalista negra em programa de TV. Viva ainda para contar esta história.
Grandes lanceiros, desta História.
Sem poupança acumulada e sem poder sustentar os custos e manter uma logística, fomos alijados do processo, mas foram momentos ricos de Resistência.
No início da década de 1990, surgiram as primeiras mídias negras na internet com a “Revista Afirma On Line”, o Jornal “Ìrohìn” e a “Agência de Notícias Afropress “ .
Também nesta década surgiram as revistas “Black People”, “Azzeviche” e “A Cor do Ébano”. Em 1996, foi publicada a primeira edição da “Raça Brasil”.
A ausência na linha de frente de definições editoriais, motivou a criação de Redes, que denunciam um Estado genocida e mitigam eles próprios a solução:
Portal Geledes, Alma Preta, Notícias Pretas, Politicamente, Café com Auto Estima, Pauta Rio, são alguns exemplos dos nossos tambores virtuais e que aumentam a cada dia como registros visíveis e concretos.
Como este não é um trabalho acadêmico, relevem a ausência de citações de muitos veículos que fizeram e fazem a História da mídia negra
Peço seu auxílio para nos comentários acrescentar nomes e enriquecer esta coluna, exercício que tem de ser feito, permanentemente.
A Comissão de Jornalistas pela Igualdade Racial do Rio de Janeiro, desde 2003, lida com questões relacionadas à discriminação racial no mundo do trabalho secundado pela educação.
Em 2011, Ano Internacional dos Afrodescendentes declarado pela Organização das Nações Unidas (ONU), a COJIRA, lança a 1ª edição do Prêmio Nacional Jornalista Abdias Nascimento.
“Homenagear Abdias Nascimento com um prêmio de jornalismo é restituir ao jornalismo de hoje, tão empenhado em serviços de consumo, algo da pública voz cívica que ele tinha no passado, a exemplo da imprensa abolicionista e republicana. Abdias é voz de pulmão cheio”.
CULTNE, de Dom Filó, vem registrando todos estes momentos.
Mídia para o Povo preto é potência, é insurgência. O encontro destas novas ferramentas com as nossas conversas, devem ser instrumentos para além das hashtags.
Janelas de energia interna criaram as oportunidades de nos vermos como grupo social distinto, a pandemia só escancarou o que já sabíamos.
Finalizo com duas questões:
Quem tem acesso à informação? A quem esta informação serve?
Conectados agora a teia da coletividade faremos a alma reagir.
“Quanto mais conhecermos o problema, mais perto estaremos da sua solução. O negro é o eixo novo de uma mudança nas relações sociais, porque, como o proletário em Marx, tornou-se classe histórica no país.” Jornalista Muniz Sodré
Frente Negra Brasileira Depoimentos Márcio Barbosa Quilombhoje SP 1998
Antirracismo, liberdade e reconhecimento Jacques d’Adesky Ed Daudi Rio 2006
Imprensa Negra no Brasil do século XIX- Ana Flavia M. Pinto Ed. Selo Negro SP 2010
GTAR – Memória social, intelectuais negros e universidade pública- Sandra Martins –UFF -2018
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LIA VIEIRA
Carioca e graduada em Economia, Turismo e Letras, Lia cursou doutorado em Educação na Universidade de La Habana (Cuba)/Universidade Estácio de Sá (RJ). É escritora, pesquisadora, dirigente da Associação de Pesquisa da Cultura Afro-brasileira e militante do Movimento Negro e do Movimento de Mulheres
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